Ventilar Norteando
Expor ao vento
Renovar o ar
Arejar
Debater
Discutir
Os possíveis significados da palavra ventilar nos aproximam do processo de criação de Mauricio Igor, um artista que desde o ano de 2020 tem conduzido o universo das gambiarras a uma nova direção, arejando histórias que tocam o Norte e Norteiam o restante do país.
Mauricio Igor tem aprofundado em suas poéticas o desenvolvimento de processos que se conectam com as relações humanas e não humana, tangenciando aspectos que se misturam entre as narrativas de suas histórias e as histórias do outro, perpassando por temas que tocam lugares, práticas e falas invisibilizadas. Suas ações artísticas propõem reflexões de um Brasil em meio às adversidades econômicas, sociais, políticas e históricas. A partir do XVI Prêmio Funarte Marc Ferrez, a proposta do artista nos ventila à possibilidade de renovar o ar em tempos de asfixias.
Como dar voz ao vento? Em Ventos do Norte, o artista andarilho fixa na cidade de Belém lambes e panfletos que o levam a conhecer personagens conectados por gambiarras. Esta aproximação sussurra histórias narradas que colam, amarram e adesivam ventiladores, criando objetos que não somente amenizam o calor dos lugares de onde vieram, mas constroem o retrato da sobrevivência ao clima do próprio lugar.
Em Belém do Pará, não ter um ventilador em funcionamento é sinônimo de “brea”, suor grudado no corpo. Ao coletar ventiladores, Mauricio movimenta a anti-brea, nos faz refletir que a permanência do vento é um ato que gira as hélices de resistências econômicas na Amazônia. Não descartar o ventilador é a possibilidade de não ter gastos em um orçamento já “breado”, corpo grudado pelo suor.
Nas gambiarras estão um mundo sensível que apresentam invisíveis realidades em aparências ditas não perfeitas. Os ventiladores e suas narrativas apresentam uma metáfora de um percurso histórico mantido a base de improvisos. É o reflexo de um vento que sopra as adversidades econômicas e sociais e paira sob experiências de sobrevivências mantidas por um povo, uma cultura, um lugar, que partem da precariedade para solucionar suas necessidades.
Os ventos que se encontram em rede, por meio deste site, conectam-se às experiências que ativam o sujeito-ventilador. Os aparelhos apresentados entre fotos e vídeos, performam, movendo discussões de um Norte, que é Brasil. Refletem sobre um país que convive com improvisos e resistências, onde corpos quebrados, machucados, diante de tantas feridas e perdas, transformam-se em gambiarras e continuam ventilando.
Heldilene Reale
Curadora Processual
Brea
sol
cartaz
bicicleta
deslocamento
cidade
asfalto
termo popular utilizado na região Norte que indica suor, a pele melada, “breada”.
Vi seu anúncio
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conexões
nós
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permissão
histórias
cotidiano
espontâneo

mais do que os objetos,
eu comprava as histórias deles.
Ventiladores Gambiarras
objetos
metáforas
vidas
corpos


















Continua
Após meu ventilador quebrar e eu o consertá-lo com fios, um pincel e um livro, resolvi procurar outras histórias semelhantes. Assim, fui às ruas de Belém para encontrar ventiladores que funcionassem por causa de gambiarras. Saí pedalando pela cidade e colando lambes nas ruas com o escrito: “compra-se ventiladores com gambiarras e suas histórias” junto ao meu número de telefone. Simultaneamente, também divulguei em minhas redes sociais a procura. A partir dessas ações recebi, via aúdios, vídeos e fotos, as mais diversas e curiosas histórias de ventiladores que foram consertados com gambiarras.
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Tive encontros e trocas de formas bem espontâneas, como durante panfletagem na feira do Guamá, um senhor para quem falei do projeto me parou e fez várias perguntas sobre o porquê de eu estar fazendo tal ação e quem estava financiando. Depois de explicar que se tratava de um trabalho artístico ele sorriu, me elogiou, pegou um panfleto e disse conhecer um amigo que tinha vários ventiladores da forma como eu procurava. Um outro encontro foi quando uma pessoa estava indo de uber me entregar o ventilador. Minutos após deixar o passageiro, Dennyson, o motorista que dirigia neste carro, me mandou mensagem, pois tinha visto o anúncio na entrada e ficou interessado.
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Por meio do XVI Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia, foi possível expandir os encontros-histórias a partir da compra de mais quatro ventiladores e reunir o conjunto dos processos por meio deste site. Exibe-se, assim, o percurso construído até aqui, vendo-o como processo, há, então, mais por vir.
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Vejo os ventiladores-gambiarras também como corpos.
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Sofre um ataque, continua funcionando como pode.
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Continua.
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Tem seguimento:
1 segue, prossegue, avança, recomeça, retoma, progride, sucede, desenrola-se, sobrevém.
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Permanece:
2 mantém-se, fica, conserva-se, para, estaciona, estaca.
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Prorroga:
3 estende, prolonga, expande, acrescenta, dilata, estica.
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Segue existindo:
4 dura, perdura, subsiste, persiste, resiste, persevera, insiste, sobrevive.


Mauricio Igor (Belém, PA)
Licenciado em Artes Visuais pela Universidade Federal do Pará, Mestrando em Processos Artísticos Contemporâneos pela Universidade do Estado de Santa Catarina. Investiga questões de identidades em temas como gênero, sexualidade, miscigenação, decolonialidade e o cotidiano na região amazônica. Atualmente, pesquisa poéticas sobre o corpo afro-amazônico em deslocamento. Tais processos se desdobram em fotografias, vídeos, performances, textos e instalações. Por meio destes, recebeu premiações e participou de exposições no Brasil e em alguns países na Europa, dentre os quais se destacam o Prêmio Rede Virtual de Arte e Cultura, Fundação Cultural do Estado do Pará; Imagens Cotidianas, do SESC Ver-o-Peso; o Anuário 20, Galeria Municipal do Porto, em Portugal, e no Primeiro Prêmio de Fotografia, Adelina Instituto Cultural, São Paulo.
Heldilene Reale (Belém, PA)
Doutora em Artes (UFMG), Mestre em Linguagem, Comunicação e Cultura (UNAMA). Formada em Artes Visuais e Teconologia da Imagem (UNAMA) e em Turismo (UFPA). Artista, professora acadêmica e pesquisadora de temas que atravessam aspectos da memória, paisagem, ruína e temas direcionados para processos de criação artística na Amazônia. Desenvolve curadoria independente desde o ano de 2015, realizando exposição de acervos, exposições individuais e coletivas, acompanhando processos artisticos desenvolvidos em Belém do Pará.